“Enquanto a sociedade feliz não chega, que haja pelo menos fragmentos de um futuro em que a alegria é servida como sacramento, para que as crianças aprendam que o mundo pode ser diferente. Que a escola, ela mesma, seja um fragmento do futuro...” (Rubem Alves)





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Crente capoeirista!!!?



Muitas pessoas nas igrejas evangélicas dizem que a capoeira não pode ser praticada pelos crentes, e citam como motivo a crença de que ela pertence às religiões afro brasileiras. Por isso consideram-na como algo que vai contra a fé evangélica.

Mas será que isso é verdade? Será que o crente não pode praticar capoeira? 

Para entendermos, precisamos saber primeiro, o que é a capoeira.

A capoeira é um esporte nascido no Brasil, um esporte que faz parte da cultura brasileira. Uma luta que tem características de dança, chegando a ser confundida com uma dança. Seus movimentos acrobáticos podem ser usados como golpes,  mas o uso comum é embelezar o jogo.  
Se diz geralmente jogar capoeira e não lutar ou dançar capoeira. A razão é muito simples, numa roda de capoeira a disputa é mais pela inteligência e habilidade do que pela brutalidade (isso se não for um campeonato específico de contato). É uma espécie de jogo de inteligência em que na maioria das vezes não existe chateação por parte de quem é derrubado ou leva um golpe, a camaradagem é muito maior do que a rivalidade.
Ela surgiu como um meio de defesa utilizado pelos negros na época da escravidão. Foi proibida quando o Brasil se tornou uma república. Nessa época os capoeiristas eram considerados marginais. Eram pessoas excluídas em uma sociedade que já tinha desigualdades absurdas.
A abolição aconteceu um ano antes da proclamação da República, e não houve uma preparação. Os negros libertos não tinham profissão nem eram aceitos pelos brancos como empregados, por isso muitos foram viver na marginalidade. Também não eram católicos ou evangélicos. Os negros eram considerados pela igreja como seres sem alma, verdadeiros animais.
Na época do Estado Novo  um Mestre muito famoso que ensinava a capoeira em uma academia (algo novo na época) se apresentava como um educador. Esse foi Manoel dos Reis Machado, também conhecido como Mestre Bimba. Ele criou uma nova modalidade de capoeira chamada de capoeira regional, e fez uma apresentação para o então presidente Getúlio Vargas.
Nessa época a capoeira deixou de ser vista como malandragem e passou a ser considerada como um esporte.
Por influência das artes marciais orientais, Mestre Bimba adotou o uniforme branco em sua academia.
A capoeira tradicional, conhecida como capoeira angola, tinha como principal mestre um homem chamado Vicente Joaquim Ferreira Pastinha. Mais conhecido como Mestre Pastinha.
Mestre Pastinha fundou em 1942 uma academia de capoeira angola e adotou as cores preta e amarela como cores do uniforme, em homenagem ao seu time do coração o Ypiranga Futebol Clube.
Hoje em dia ainda se joga capoeira angola e capoeira regional. Porém a maioria das academias ensina a capoeira contemporânea ,  que engloba os dois estilos. Puxando mais para um ou para o outro dependendo do ritmo tocado pelo berimbau. Quando a velocidade aumenta o jogo é mais em pé e tem mais acrobacias.
As músicas de capoeira servem para animar a roda, algumas têm lirismo, sendo o eu-lírico muitas vezes um escravo. Outras simplesmente não têm um significado profundo. É possível (embora não ocorra sempre,)alguém cantar algo que expõe sua religião. Dentre essas há também músicas que falam do Deus cristão.

A religiosidade é algo particular. Ser adepto das religiões africanas ou afro brasileiras, ou ser cristão não interfere em nada no jogo da capoeira.
Se alguém antes de entrar na roda faz algo pedindo proteção que pertence à sua religião, esse algo é particular. Isso é da pessoa e não da capoeira.
Muitos crentes se escandalizam porque capoeiristas fazem o sinal da cruz antes de entrar na roda, mas não se escandalizam se um jogador de futebol o faz antes de entrar em campo. 

Quanto aos instrumentos, o berimbau é o principal, o que dita o ritmo. Sua origem é incerta e seu uso é originalmente da capoeira.
O pandeiro foi trazido ao Brasil pelos portugueses. Entrou na Península Ibérica através dos muçulmanos.
O agogô é de origem africana. A palavra no original significa sino.
O atabaque, um tipo de tambor, foi utilizado primeiro pelo candomblé, mas os toques para a roda de capoeira são muito diferentes e bem simples. Hoje ele é usado também em muitas igrejas evangélicas.

A capoeira não está ligada a nenhuma religião, ela é um esporte. Um esporte que pode ser praticado por qualquer pessoa, seja ela católica, evangélica, espírita, muçulmana, ateia, etc.

A capoeira é uma das nossas principais riquezas, um patrimônio cultural do Brasil. É também um meio de divulgação muito forte da língua portuguesa. Há milhares de pessoas no mundo que aprenderam a nossa língua simplesmente por gostarem de capoeira.
Ela tem muito valor por ser um esporte que desenvolve o corpo e a mente, por sua riqueza estética, e por fazer parte da cultura brasileira.




Gonçalves Dias


Com a independência do Brasil, surgiu a necessidade de uma literatura autenticamente brasileira. Uma literatura que exaltasse as qualidades de um Brasil independente, uma literatura com identidade nacional.
Nessa época surgiu o Romantismo Brasileiro com a obra “Suspiros poéticos e saudade” de Gonçalves de Magalhães. Logo em seguida veio Gonçalves Dias e acrescentou grande qualidade ao Romantismo brasileiro e tornou-se o principal nome nesse período.

Vida e obra de Gonçalves Dias
Antônio Gonçalves Dias (1823-1864), filho de um comerciante português e de uma cafuza, nasceu no Maranhão onde fez os primeiros estudos. Cursou direito em Coimbra, onde conheceu escritores românticos portugueses. Viveu em Portugal por oito anos que foram muito importantes para a sua formação intelectual.
A grande paixão de sua vida foi Ana Amélia do Vale. A família de Ana Amélia do Vale não permitiu a união por ele ser mestiço. Acabou casando com Olímpia da Costa. Em 1854 por casualidade encontrou Ana Amélia em Lisboa, esse encontro teve como resultado o poema “Ainda uma vez adeus”.
Gonçalves Dias teve muitos problemas de saúde: problemas cardíacos, hepatite, malária e gastrite. Em 1862 regressou à Europa em busca de tratamento. Na volta ao Brasil aconteceu um naufrágio do navio e Gonçalves Dias faleceu com 41 anos.
A poesia romântica Brasileira começou com Gonçalves de Magalhães, mas foi Gonçalves Dias o grande poeta do inicio do Romantismo, como afirma Alfredo Bosi:

Gonçalves Dias foi o primeiro poeta autentico a emergir em nosso Romantismo. Se manteve com a literatura do grupo de Magalhães mais de um contato (passadismo, pendor filosofante), a sua personalidade de artista soube transformar os temas comuns em obras poéticas duradouras que o situam muito acima de seus predecessores.(BOSI, Alfredo. In História concisa da Literatura Brasileira. 2006. pag. 104)

Obra:
Poesia: Primeiros cantos (1846); segundos cantos(1848); Sextilhas do Rei Antão(1848); últimos cantos (1851); Os timbiras (1857).
Teatro: Betriz Cenci (1843); Leonor de Mendonça (1847).
Outros: Brasil e Oceania (1852); Dicionário da língua tupi (1858).


Gonçalves Dias buscava captar os sentimentos e a sensibilidade de nosso povo. Sua poesia foi criada numa linguagem simples e acessível, com métricas e ritmos variados, voltada para o índio(substituto da figura do herói medieval europeu), e a natureza brasileira. Como podemos observar nos seguintes poemas:

O canto do guerreiro
(primeira estrofe)
Aqui na floresta
Dos ventos batida,
Façanhas de bravos
Não geram escravos,
Que estimem a vida
Sem guerra e lidar.
— Ouvi-me, Guerreiros,
— Ouvi meu cantar.

Canção do exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá. 



Gonçalves Dias também falava do amor não correspondido, como podemos observar no poema “Ainda uma vez-Adeus”:

"Ainda uma vez-Adeus"
Enfim te vejo! — enfim posso,
Curvado a teus pés, dizer-te,
Que não cessei de querer-te,
Pesar de quanto sofri.
Muito penei! Cruas ânsias,
Dos teus olhos afastado,
Houveram-me acabrunhado
A não lembrar-me de ti!

Dum mundo a outro impelido,
Derramei os meus lamentos
Nas surdas asas dos ventos,
Do mar na crespa cerviz!
Baldão, ludíbrio da sorte
Em terra estranha, entre gente,
Que alheios males não sente,
Nem se condói do infeliz!


Louco, aflito, a saciar-me
D'agravar minha ferida,
Tomou-me tédio da vida,
Passos da morte senti;
Mas quase no passo extremo,
No último arcar da esp'rança,
Tu me vieste à lembrança:
Quis viver mais e vivi!


Vivi; pois Deus me guardava
Para este lugar e hora!
Depois de tanto, senhora,
Ver-te e falar-te outra vez;
Rever-me em teu rosto amigo,
Pensar em quanto hei perdido,
E este pranto dolorido
Deixar correr a teus pés.


Mas que tens? Não me conheces?
De mim afastas teu rosto?
Pois tanto pôde o desgosto
Transformar o rosto meu?
Sei a aflição quanto pode,
Sei quanto ela desfigura,
E eu não vivi na ventura...
Olha-me bem, que sou eu!


Nenhuma voz me diriges!...
Julgas-te acaso ofendida?
Deste-me amor, e a vida
Que me darias — bem sei;
Mas lembrem-te aqueles feros
Corações, que se meteram
Entre nós; e se venceram,
Mal sabes quanto lutei!


Oh! se lutei! . . . mas devera
Expor-te em pública praça,
Como um alvo à populaça,
Um alvo aos dictérios seus!
Devera, podia acaso
Tal sacrifício aceitar-te
Para no cabo pagar-te,
Meus dias unindo aos teus?


Devera, sim; mas pensava,
Que de mim t'esquecerias,
Que, sem mim, alegres dias
T'esperavam; e 
em favor
De minhas preces, contava
Que o bom Deus me aceitaria
O meu quinhão de alegria
Pelo teu, quinhão de dor!


Que me enganei, ora o vejo;
Nadam-te os olhos em pranto,
Arfa-te o peito, e no entanto
Nem me podes encarar;
Erro foi, mas não foi crime,
Não te esqueci, eu to juro:
Sacrifiquei meu futuro,
Vida e glória por te amar!


Tudo, tudo; e na miséria
Dum martírio prolongado,
Lento, cruel, disfarçado,
Que eu nem a ti confiei;
"Ela é feliz (me dizia)
"Seu descanso é obra minha."
Negou-me a sorte mesquinha. . .
Perdoa, que me enganei!


Tantos encantos me tinham,
Tanta ilusão me afagava
De noite, quando acordava,
De dia em sonhos talvez!
Tudo isso agora onde pára?
Onde a ilusão dos meus sonhos?
Tantos projetos risonhos,
Tudo esse engano desfez!


Enganei-me!... — Horrendo caos
Nessas palavras se encerra,
Quando do engano, quem erra.
Não pode voltar atrás!
Amarga irrisão! reflete:
Quando eu gozar-te pudera,
Mártir quis ser, cuidei qu'era...
E um louco fui, nada mais!


Louco, julguei adornar-me
Com palmas d'alta virtude!
Que tinha eu bronco e rude
Co que se chama ideal?
O meu eras tu, não outro;
Stava em deixar minha vida
Correr por ti conduzida,
Pura, na ausência do mal.


Pensar eu que o teu destino
Ligado ao meu, outro fora,
Pensar que te vejo agora,
Por culpa minha, infeliz;
Pensar que a tua ventura
Deus ab eterno a fizera,
No meu caminho a pusera...
E eu! eu fui que a não quis!


És doutro agora, e pr'a sempre!
Eu a mísero desterro
Volto, chorando o meu erro,
Quase descrendo dos céus!
Dói-te de mim, pois me encontras
Em tanta miséria posto,
Que a expressão deste desgosto
Será um crime ante Deus!


Dói-te de mim, que t'imploro
Perdão, a teus pés curvado;
Perdão!... de não ter ousado
Viver contente e feliz!
Perdão da minha miséria,
Da dor que me rala o peito,
E se do mal que te hei feito,
Também do mal que me fiz!

Adeus qu'eu parto, senhora;
Negou-me o fado inimigo
Passar a vida contigo,
Ter sepultura entre os meus;
Negou-me nesta hora extrema,
Por extrema despedida,
Ouvir-te a voz comovida
Soluçar um breve Adeus!

Lerás porém algum dia
Meus versos d'alma arrancados,
D'amargo pranto banhados,
Com sangue escritos; — e então
Confio que te comovas,
Que a minha dor te apiade
Que chores, não de saudade,
Nem de amor, — de compaixão.
Considerações Finais
O equilíbrio de linguagem de Gonçalves Dias e seus temas preferidos serviram de modelo a muitas gerações de poetas que vieram depois, tanto no Romantismo quanto em outros movimentos literários subsequentes.


Referências
MAGALHÃES,Tereza Cochar. CEREJA,Willian Roberto. Português linguagens volume 2, São Paulo 1994, Atual Editora.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira, 1936. 44 edição1994. São Paulo. Cultrix.
FARACO, Carlos Emilio. MOURA. Francisco Marto. Língua e Literatura (1996) SP.